sexta-feira, novembro 09, 2007

Porque Marcos traga

Marquinhos começou a brincar com 12 anos. E foi no shopping que começou a brincar, não na parte dos fliperamas, mas do lado do elevador panorâmico. E não com fliperamas, mas com os pulmões e com a vida. Juntavam-se por ali aos sábados uns amigos de colégio e de IRC, e alguns deles pitavam o Derby.
Não sou muito dessas modernidades, mas pelo que entendi IRC era uma rede de conversa, no qual havia alguns canais, como se fossem salas de bate-papo, algo do tipo, que não sei explicar bem. O que importa é que o pessoal que conversava nessa rede reunia-se nas tardes de sábado pra tirar a virtualidade das amizades que faziam, e alguns para fumar. Marquinhos foi ficando cada vez mais assíduo nesse tipo de encontro e sempre via por lá seu amigo Carlão. Era gordo e tinha um espírito enorme. Atraía amizades facilmente, muitos vinham abraçá-lo, homens, meninas, mulheres. Mas não pensem que era uma espécie de mongolóide, antes pelo contrário, era bem esperto e tinha a ciência das coisas melhor do que qualquer que se juntava por ali. E foi nessa amizade, que surgiram as primeiras cinzas.
Certa feita, Marquinhos movido pela curiosidade solicitou uma tragada no Derby. O gordo lhe deu o filtro e mais uns milímetros de cigarro suficientes para duas. Primeira vez da criança, nem sabia o que fazer. Chupou, soprou e se sentiu o cara. Quem sabe tudo aquilo fosse mais uma tentativa de se inteirar ao grupo, ou de se fazer notar pelos que tinham a sua idade. Pouco importa. O que importa é que aquela prática se tornou freqüente. Marcos fumava ali as guimbas de Carlão, sem nenhuma dignidade, mas achando que era alguém. As senhoras que tinham por hábito o fumo certamente jogariam ao lixo aquela etapa de nicotina, porém o gordo achava por bem dar ao amigo pedinte. E assim era o que acontecia.
Aos 13 anos, Marcos se atreveu a pedir um cigarro inteiro. Foi-lhe dado de bom grado. Ganhara um pouco mais de dignidade agora, porém esse pedido também ganhou uma maior freqüência. Tal fato vez com que o colega de mais peso começasse a chamá-lo de “sugão” – denominação essa que tentava definir a pessoa que se utilizava dos bens alheios indefinidamente. Ele não sustentou o pseudônimo por um ano. Aos 14, tomou uma medida decisiva na sua história: despendeu a quantia de 10 centavos pra comprar o Derbão na unidade, ou picado, como se diz em Minas. E continuou comprando o fumo de 10 centavos todos os sábados que ia ao shopping na banca de revistas do lado externo, até que quem tomou uma medida decisiva foi o Congresso Nacional e o então Presidente FHC, com a lei de número 9294, nos exatos 15 de Julho de 1996, seu aniversário de 15 anos. Bom presente.
O artigo 2º proibia o fumo em recinto coletivo e isso foi a causa da decadência dos encontros no shopping. Carlão não ia mais – não podia fumar lá. Daí os outros começaram a também não ir, e ninguém mais ia, e ninguém mais foi. Há teorias que dizem que essa lei foi que ocasionou o fim da moda do IRC, substituído com êxito pelo MSN Messenger. Muitos protestam pela volta das conversas nos chamados canais, onde podiam expor suas idéias pra muito mais gente, mas o fato é que realmente o IRC submergiu, e junto a ele o fumo de Marquinhos.
Aos 16, retomou. Mas agora já não era mais Marquinhos, já era Marcos. Começara a sair com os amigos para as festinhas da cidade. Já tragava até, Carlão havia ensinado. Cara, puxa como se estivesse bocejando, abre a boca. Ah! Cara, não tragou, saiu a fumaça toda. Tenta de novo. Didática com utilização de métodos e tudo. E se pôs a praticar o fumo, ora “sugava”, ora comprava o tal do picado.
Nem contei que o menino era dado às letras, mas o era. Escrevia um poeminha aqui e ali, ou um conto sem muito vulto. Já tinha sido premiado, mas esses prêmios de colégio, nem contam. O que ocorreu foi que Marcos se atreveu a começar um romance e nem sei por que cargas d’águas achava que, se tomava uns tragos de rum e tirasse o gosto da boca com o Derby, teria maior inspiração. Foi a primeira vez que tirou do bolso mais de 1 real para o fumo – comprara um carteira com 20 cigarros. Nem havia se utilizado de uma dúzia deles, e já perdera o fôlego. Não dos pulmões, mas o fôlego literário imprescindível para escrever o romance pretendido. Depois de completar os 17, começou a estudar para o vestibular. Parou com a nicotina e, bom de cabeça, passou.
Foi estudar Matemática em outra cidade do interior de Minas. Nem se encarregou de fazer muitos amigos. Assimilou bem a responsabilidade que vem junto da liberdade adquirida. Não fumava, nem bebia. Dedicava-se ao estudo e vivia vida regrada, e isso tudo tinha um fundo de mostrar pra mãe que era bom menino. Mas a vida assim, sabemos, fica chata. E ele transferiu a chatice da vida para o curso de Matemática, suas equações, teoremas e algebrismos. Resolveu mudar de faculdade e no mesmo ano fez vestibular para Direito em outra cidade do interior. Pelo fato desta cidade ser mais próxima da sua cidade natal, encontrou vários velhos amigos por lá, e com eles dividiu um apartamento. Na saudade e na solidão das noites em que passava na residência enquanto seus amigos se divertiam por aí, procurou novamente o cigarro. Cigarro não, dessa vez, Gudang Garam. Seus colegas de apartamento fumavam isso e ele resolveu aderir. Queimava estranho, era mais forte, mais caro. Mesmo assim comprou uma carteira com 16, sabor de menta, e fumava um por noite, solitário, na varanda, pensando na vida, na casa dos pais e na família. De um por noite, começaram a ser dois. Dos dois, três. E o bolso pesou porque comprava a carteira por 7 reais.
Aos 19, começou a fumar Carlton, mais barato. E se utiliza disso sempre que podia. Antes do café, no intervalo das aulas, esperando na fila do banco, ou do barbeiro. Às vezes já acende o próximo com o rabinho do outro. Às vezes apaga no meio devido ao início das aulas e reascende o mesmo ao término. Hoje Marcos fuma com muito mais dignidade do que naquela época do IRC. O tempo foi evoluindo e o hábito foi seguindo às linhas do tempo. Fuma sempre, mas por querer, gosta, não é vício. Já faz isso há 7 anos, mas concordo com ele, não é vício.

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