quarta-feira, outubro 31, 2007

Depoimentos à guisa de valsinha para cavalheiros

Eis aqui depoimentos já escritos para meus amigos no tal do orkut, que tentei imprimir um ritmo de valsa. Com insucesso total, óbvio.

(Danilo)
Você é o moço Danilo
Nem sempre tranqüilo
Vai pra Alles Beer
Você é a moça Danila
Que dá a mochila
Para eu sair

Você pirua Infantaria
É a alegria
Do seu pelotão
Você é um cara muito ativo
Com o qual convivo
Como fosse irmão

Você dorme ali pertinho
É o meu vizinho
E eu sou seu fã
Porque daqui a pouco tempo
Estará ao vento
Da temida AMAN!

(Linnus)
Você é um negão valente
É inteligente
Sabe investir
Você sabe montar um carro
Sabe ir pro barro
E depois polir

Você domina a Asa Branca
Você abre e tranca
A porta do saber
Você que escolheu a vida
Trabalha com bebida
Pra depois beber

Você é pai das criaturas
Mais lindas e puras
Que Deus fez criar
Você é pai dessas sobrinhas
Tão pequininhas
Do meu Ceará

Você também é a estrada
É meta buscada
Caminho conduz
Você é meu melhor exemplo
Você é um templo
Onde eu busco a luz!

(Monnerat)
Você é um grande desenhista
É uma coisa mista
Coisa boa e má
Você é um cara criativo
Por isso, convivo
Com o Monnerat

Você já é meu companheiro
Nesse ano inteiro
De preparação
Mais companheiro nós seremos
Pois dividiremos
O mesmo pelotão

Você é um ser que considero
E que eu espero
Ter no amanhã
Como um presente amigo
Em qualquer perigo
Que eu passar na AMAN!

(Feitosa)
Você é MatBeliano
Você tem um plano
A executar
Você é o homem que relaxa
Que espalha graxa
Faz ela brilhar

Você, guerreiro da cautela,
Mexe na biela
E no caminhão
Você trabalha no pesado
E em um blindado
Faz manutenção

Você em breve um cadete
Vai deixar lembrete
Em qualquer papel:
"Mamãe não vou voltar pra casa
Vou pro Manda-brasa
E sou MatBel!"

(Alisson)
Você é jogador de hand
Disso não depende
Clima e lugar
Você também joga CS
E não obedece
Quem não quer jogar

Você talvez jogue porrinha
Junto da vizinha
Ou quem sabe não
Você já joga tudo errado
Tiros com teclado
Futebol com a mão

Eu sei, você não tem pistola
E se chuta a bola
Vai ficar oval
Jogando o jogo da vida
Que é decidida
No placar final...

(Figueiredo)
Você é um grande despautério
Nunca fala sério
É imitação
Você é ovelha clonada
E a mais engraçada
É do Luizão

Você entende patavina
Você é a Dina
De Xambioá
Você é cearense nato
Mas no "mei do mato"
Resolveu morar

Eu não conheço sua história
Nem a sua glória
Nem a sua dor
Mas vejo por cima do muro
Um grande futuro
De um imitador!


(Leonardo Mota)
Você é um cara que não bebe
Turma Heróis da FEB
Homens de amanhã
Você persegue sua meta
E de "bicicreta"
Vai chegar na AMAN

Você pode andar de "mota"
Paga sua cota
Anda de busão
Você torce pro Fortaleza
Sempre, com certeza,
Vai pro Castelão

Você é arataca forte
Que vindo no norte
Para aqui morar
A mão no fogo por ti ponho
Realiza o sonho
De ser militar!

(Felipe Araújo)
Você é um urubuzinho
Sobrevoa o ninho
Para defender
Você é um garoto bom
Que se for pra EFOMM
Irá enriquecer

Você conta muita lorota
Bebe a meiota
E sempre irá beber
Você é como um caramujo
Da lagoa cujo
Lema é vencer

Você não fuma o careta
Usa roupa preta
Pensa que está nu
Assim é que alegra a gente
É eternamente
O eterno Ururu!

terça-feira, outubro 30, 2007

Parabéns pro bloguê, parabéns pro bloguê...


Após 3 anos de pouca dedicação literária, consigo chegar me arrastando à centésima postagem. E não há como não comemorar esse marco, porque foi o blog que me deu a idéia de quantidade poética que já saiu dessa cachola. Sempre quis ter os números da minha produção, aliás, sempre fui fã de números. Mas digo mais: além da quantidade, o desgraçado do blog ainda me deu estatísticas passíveis de análise, não só de fabricação de poemas, mas também de épocas e sentimentos da própria vida.
O blog foi criado em 31 de outubro de 2004, comemorando seus exatos três aninhos no dia de hoje. É bebê. O primeiro poema fala de merda, como todo o resto, mas nesse caso mais literalmente, e foi realmente escrito no banheiro. Banheiro da casa de Pedro Henrique, o Bart, velho amigo, e ali naquele apartamento da Rua Osvaldo Cruz, postei o primeiro texto, dos cem que até agora apresento. Não sei que diabo ocorreu, mas analisando os gráficos de produção, a época da virada do ano de 2004 para 2005, foi bem produtiva. Nada menos que 30, em dois meses. Segui num ritmo meio irregular, chegando à pausa total em Julho. Férias, óbvio. Não era época mesmo pra me preocupar com essas coisas. Depois dela, começou uma decadência poética total, culminando em 26 de Fevereiro de 2006, quando cheguei à cidade de Resende. Cidade de fato, pouco inspiradora porque fez ficar parado todo esse tempo. Só voltei a dar atenção ao meu blogzinho de estimação, agora, em Outubro de 2007.
Depois de todo esse estudo estatístico, concluo que: foi bom. Hoje leio isso tudo como se nem eu mesmo fosse mais o autor. Critico, cuspo, não gosto, discordo, concordo, me apaixono e reapaixono, tanto por dona Lica quanto pela guria dos sonhos meus. Sem falsa modéstia, gosto desse tipo de literatura que foi produzida. Crua. Vejo o quanto já fui um pivete mongol e quanto já fui bem mais velho do que sou hoje. Cada um dos 100 textos, escritos por 100 pedros roneys diferentes, da forma mais pedroronesca de se amar. Fora os depoimentos nas tecnologias de orkut (em breve postarei), as cartas de colégio, de correio, e as várias idéias que acabaram em pizza, ou melhor, no pão-pizza da tia do guaraná. Ainda lembro quando tudo começou, quando o menino andava tocando aquelas músicas pelas alamedas da casa amarela. Mas isso não volta mais. Ninguém consegue permancer o mesmo depois de 100 dessas. Ninguém.

segunda-feira, outubro 29, 2007

Sejamos!

Esse texto é o texto de inauguração do blog http://www.foedafacies.blogspot.com que estou fechando, ou melhor, abrindo com um velho amigo, amigas também meio que antigas e outros caras que ainda não conheço muito bem. Parece pouco promissor, admito, mas é de onde menos se espera..., que daí que num sai nada mesmo.

E ei-lo! :


Numa aula de matemática da quinta-série, o menininho ouvia atento os algebrismos. No meio deles, sem pedir licença nem permissão, rasgando a lógica do problema exposto no quadro negro, na verdade verde - uma frase. Resolver problemas é uma simples questão de habilidade ou tempo, mas gerar novos problemas ou olhar os antigos com um ângulo novo requer imaginação criadora, e é isso que contribue para o progresso da ciência (EISTEIN, 19??). Me abstive da gramática e das aspas porque não quero conceder ao grande físico palavras que não sejam suas, mas que foram essas palavras usadas e esse o cara escolhido como autor, isso foi, conforme disse o mestre. E o mestre que falo, foi professor nosso, Geraldo Macêdo, com acento circunflexo no e, escrito com sua mão canhota.
E mesmo querendo a todo custo negar a autobiografia, o moleque é-me eu mesmo, admito. Na época, enxadrista de primeira linha para a idade, bom para números; hoje, um nada. Nem sei como o tempo conseguiu incutir em mim dificuldades de aprendizagem, quer dizer, até sei, mas não vem ao caso contar aqui o que já são outros cem mil-réis. Não lembro mais da indução matemática dos livros vermelhos que o mestre me indicou, mas lembro perfeitamente da frase atribuída ao gênio de cabelos arrepiados e língua pra fora. Isso porque há certas coisas que marcam a vida e a lembrança da gente, mesmo sem ter um sentido específico. Um quadro abstrato com a moldura enparafusada na parede da memória.
Quem sabe seja nossa intenção isto: pintar esses modernismos nas mentes mais atentas da atualidade, mesmo que depois seja apagada com cal. Apesar de levar a escalação da seleção brasileira de 1994, o poema Cante Lá que eu Canto Cá e uma dúzia de partidas de xadrez na memória, ainda me sobra um abismo de conhecimentos vagos, que existem e não detenho, outro detém. Por isso que nós reunimos aqui, alguns amigos de longa data, outros de data nem tão longa assim, pra juntar os abismo que se chamam, que gritam com os ecos dos próprios abismos. Abyssus abyssum invocat. Para comungarmos juntos do mesmo pão, pão de Ló. Quem sabe não sirva pra alimentar jumentos, mas somos um pouco menos que isso, somos gente. Ou pelo menos, sejamos!

quinta-feira, outubro 18, 2007

Vagina Paradoxal

Sebastião voltou para casa rindo à-toa. Já tinha amanhecido e nem tinha dado notícias para ninguém. Ignorava, mesmo assim, as milhões de possibilidades de problemas que poderia vir a ter pela ausência de aviso. E outros problemas bem piores do que um grito da mãe ou uma palmada do pai, devido à experiência nova que tinha vivido aquela noite. Sebastião, naquela madrugada de sexta para sábado, tinha tido sua primeira experiência com buceta.

Feliz da vida, chegou em casa, todos dormindo. E se não fosse o timbungar do galão de 20 litros de água, quando enchia seu copo para matar a sede, ninguém saberia que só tinha voltado nesses horários incertos. A mãe preocupada acordou, lhe perguntou onde estava até aquela hora, com quem, coisa de mãe. Ele deu seu jeito de mentir com histórias estranhas que não seriam aceitas como verdade se sua mãe tivesse acordado uma hora antes. O sono confunde bastante a inteligência da gente.

O moço deitou-se na rede, ainda esboçando o riso de não parava. Algumas experiências na vida nos fazem refletir bastante, principalmente aquelas que nos marcam por todo o sempre. Se alguma coisa devia figurar em todos os perfis de orkut no quesito paixões, era ela, a buceta. Ela sim tem algo de apaixonante. Dizem os versos, que quem tem uma viola só chora se quiser. Isso devido a existência de meia dúzia de cordas para agradar uma mulher. Mas a mulher não precisa de viola, e de nenhum outro instrumento musical. Produz a mais suave melodia com as curvas do próprio corpo e com um único adereço dado por Deus consegue prender um homem facilmente.

E essa foi a primeira, de outra tantas vezes, que Sebastião se aprofundaria nesse mistério. Nem tinha tido o contato visual, foi algo muito de momento.Simplesmente, ainda muito menino, quando deu por si, já estava com a moça por cima, e a saia dela lhe tirando a visão. Mas sabia desde já que surgiriam outras oportunidades. De todas elas até hoje, uma lhe atormenta a memória de quando em vez.

O órgão feminino tem sua beleza quando bem conservado. É um deleite aos olhos, aquele chessburguer pequeno, compacto, com tudo muito interno. Ali sim, tem-se vontade de se apertar e encher de beijos. O problema foi que a ausência de contato com o bichinho, estava pertubando mentalmente o garoto. Diante disso, na calada da noite, não hesitou em recorrer ao favores da senhora que passava na rua. Não era nova, nem branca, nem magra. O jovem nunca tinha tido uma relação mais aproximada com alguém assim, mas não achou tarde para aproveitar. Convidou-a gentilmente para que dormissem juntos e ofereceu-se até para pagar a conta integralmente. Sebastião era moço e bem conservado, e decerto a negra estava com um superávit na balança da relação sexual. No entanto, ele não iria deixar tudo assim tão barato, aproveitaria para conhecer tudo que podesse e fodesse, e desde já imagina a infinitude de peripécias que poderia aprontar com aquela que se apresentava para o jogo.

E foi quando a viu deitada, completamente nua, e com as pernas abertas, que teve uma imagem que até hoje não lhe sai da memória. Aquela coisa desejada por tantos, já denominada inclusive de perseguida, devido ao alto número de pretendentes, se mostrava ali horrível e horrenda. Quis culpar os filhos que a coitada já tivera. Sintia uma náusea e nem sequer por um momento pensou em utilizar ali os dotes adquirindo nos oitos anos infantis debaixo do pé de manga da vovó. O vermelho intenso contrastava com o preto da virilha e algo escorria de dentro como uma lágrima sólida de sangue. Nem sabia como pôr aquilo de volta pra dentro, de onde nunca deveria ter saído.

Não agüentou, ordenou que se virasse. Não seria capaz de colocar sua ferramenta de trabalho dentro daquele local maldito. E embora idolatrasse a vulva pueril, que já tivesse inclusive feitos trovas em sua homenagem, aquela não era digna nem de uma cusparada. Pensou rápido. Não podendo ignorar a situação, seu esforço para chegar até ali e o tempo de ausência de um amor genital, achou por bem lhe invadir o sistema digestivo pelo final. E por mais merda que tenha por ali passado, ainda era em estética bem mais aprazível do que aquela imagem que lhe acompanharia os pesadelos de uma vida inteira. Que paradoxo!

O vesgo

Não foram os dois tragos de cachaça que lhe entortaram as vistas. Era assim desde novo, nascera assim. E muitos tomavam por motivo de galhofa a assimetria dos olhos do moço. Nada mais cômico do que a miséria humana com seus defeitos e suas aberrações.

É claro que todos os pseudônimos de infância abordaram essa característica. Assim acostumou-se ao fato de ter uma diferença facilmente perceptível em relação aos outros humanos que via. Nem lhe afetava objetivamente o fato, pois o hábito da leitura era constantemente desenvolvido sem a ajuda de óculos, lentes, lupas ou coisas que o valham. Aqueles olhinhos tortos já haviam degustados grandes clássicos da literatura mundial, incluindo obras premiadas com o Nobel. Até mesmo bem melhor que as denominações brasileiras para as pessoas com esse defeito, lhe cabia o vocábulo castelhano tuerto. Nem só dos olhos, percebiam os mais atentos, pois também tinha um ligeiro desvio do septo nasal. No entanto, assim tinha bem vivido – sem problemas com as letras miúdas dos romances clássicos, mas com problemas nos romances reais próprios da sua juventude.

No colégio, a cada série lhe surgia um novo apelido, e soava estranho aos ouvidos mais direitos, que se ouvisse falar de algum Evaristo. Apesar de ser um dos mais famosos rapazes da turma, se alguém vinhesse a perguntar por alguém de nome Evaristo em seus círculos de amizade, até os mais próximo, receberia com quase total certeza uma resposta negativa. Era incrível como a estranheza do olhar superava facilmente a estranheza do primeiro nome. Evaristo? Não. Mas vesgo, zarolho, cobre-e-alinha, frente-e-esquerda, e alguns outros era bem comuns ao conhecimento de todos. Quando começou a freqüentar as aulinhas de espanhol, os mais moleques tentaram diversas formas de troça – bizco, bisojo – mas o que pegou mesmo até pela melhor semântica foi tuerto. Cresceu assim, vendo o nome que sua mãe lhe dera apenas na carteira de identidade já desgastada pelo tempo. E poucos liam os dados de nome, filiação ou naturalidade de seu registro cadastral porque a simples comparação dos olhos vistos no documento e os olhos que se apresentam no rosto do dito cujo era mais do que suficiente para sua completa identificação.

Para que saibamos: vesgos também amam. Apesar de quaisquer aspectos físicos notoriamente diferenciais, o ser humano tem como um dos seus sentimentos naturais o amor. Ele só foi conhecê-lo quando, voltando da mercearia, viu um fichário do ursinho pooh no chão e ao lado dele, igualmente no chão, uma senhorita desapercebida que havia topado num sei-lá-o-que pelo caminho. Deu-lhe a mão que se reerguer-se e pegou o fichário, deixando escorrer um livro fino de seu interior. Sem ler nem sequer o título, abaixou-se novamente e devolvendo o escrito, comentou:

- Bom livro, moça.

Foi o suficiente. Ignorando a imperfeição dos olhos, agradeceu à cortesia com um sorriso. Não era um sorriso que se chame de bonito; a ausência de um canino, a cor escura de três dentes e a gengiva bem exposta não lhe permitiam o uso desse adjetivo – mas ria. Para personalizar o agradecimento e sem outras intenções, interrogou:

- Qual o seu nome?

E o silêncio pairou nos ares por um bom tempo. Procurava entre as várias denominações recebidas durante a vida, aquela mais real, que se registrava na certidão de nascimento. E apesar de desconfiar de duas, não tinha certeza de qual. Em um momento de meias certezas, quis lançar Tuerto, com inicial maiúscula, porém um nome extrangeiro poderia soar pedante. E naquele instante se deu conta do resultado da repetição constante dos pseudônimos em seus ouvidos: até então tinha sido muito mais vesgo do que homem.

quarta-feira, outubro 17, 2007

Necrofilia

E na mansão que reside o mistério

Entre as carnes putrefatas do dilema

Um sorriso incontido de poema

No cálcio morto de um dento em cemitério


E no crânio rachado do desvelo

Na ausência de idéias moribundas

Incrustada com raízes já profundas

A beleza dos cachinhos nos cabelos


Entre a miséria que nas covas jaz

Depois do álcool, já estando zonzo

Ver no complexo de um arco esconso

A perfeição que vem do arco capaz


E nos mamilos de uma morta-viva

Senti a rosa que em seu peito brota

E calculando e desenhando a cota

Nas agonias de uma Descritiva


Míope, lendo no epitáfio: “Aqui jaz Doris,

Morreu aos 15 e assim foi ninfeta

Gozou sentindo um prazer na teta

Que não sentira ainda em seu clitóris”

Amor de peugeot

Foi quando João viu Carina. Foi naquele instante que algumas vibrações do universo modificaram o rumo dos acontecimentos. Já tinha ouvido falar da bela moça, irmã de amigo não muito próximo, conhecido de bairro porque o via de quando em vez andando pelas ruas. Era nos tempos em que pegar irmã de amigo não era coisa pouca, senão bom motivo pra gozações de vida inteira. Mas João não tinha esse interesse, nem tampouco a intimidade suficiente para mangar do cabra que faria às vezes de cunhado. E nada além de simpatia em meia dúzia de palavras foi feito naquele dia, mas João já sentia que as coisas não estavam iguais a quando saiu de casa, meio sem rumo.

Foi no ócio de uma tarde de sexta-feira que ele resolveu perambular. Foi aos bares de seu bairro, querendo afogar nos tragos a falta do que fazer. Seus amigos não bebiam, ainda eram muito moleques para se entregarem aos vícios. Nem decerto tomou dois copos, mas tomou, sim, a decisão de dar um passeio por terras já conhecidas. Pegou do carro de sua irmã e partiu. Parou no shopping, era caminho. Pesou-se na farmácia da entrada, pra não perder o hábito. 75 quilos, bom peso. E foi andando no meio de fliperamas e crianças que encontrou um olho verde brilhando. Não jogava, mas conversava com as amiguinhas, todas com a camisa do colégio. No meio delas, a vizinha de João que vendo um leãozinho da Peugeot escorrendo do bolso da calça do rapaz, enxergou ali também a carona para casa. Nem foi proposital a amostra do chaveiro, nem sabia ao certo como aquilo tinha lhe escorrido do bolso. A menina deu um sorriso, foi até ele, deu um abraço. Coisa de vizinhos. Trocaram aquela velha conversa fática de tudo bem, como vai e a família.

- Vem aqui, João, que eu te apresento umas amigas.

Não tinha cunho de relacionamento amoroso as apresentações que seriam feitas. Era extensa a diferença de idades, dificultando sobremaneira a possibilidade de um romance futuro. Mas nem sempre as regras do bom senso são seguidas. E ali, quando João viu Carina, que algumas vibrações do universo modificaram o rumo dos acontecimentos.

Nem foi preciso muita análise, e o moço já identificou o parentesco.

- Ah! Você é a irmã do Cláudio...

E o sorriso foi resposta. Resposta tão sincera que ele se ofereceu de motorista pras duas garotinhas. Sei que deve ser muito difícil acreditar, mas não foi o teto do 206 Moonlight que fez os olhinhos verdes de Carina brilharem mais um vez. Sim, aquele olho perto dos joguinhos já era o dela. Até tinha um charme o carro, mas o jeitinho que as pálpebras de João se fechavam ao sorrir fazia a pequena suspirar. Suspiros muito contidos, diga-se de passagem, contidos pela timidez. Pra não dizer que não falou palavra, ela disse um muito obrigado depois de dar um beijo no rosto. João chegou em casa e começou a reparar em coisas que já jamais tinha notado. Ao contrário das pernas de Manuel Fonseca, uma fina e outra seca, que tinha uma certa Sariema, a donzela era dona de pernas, digamos, de Manuel da Roça, uma cheia e outra grossa. Lembrou da pequena manchinha castanha que havia na íris esquerda de Carina e riu ao lembrar de quando a amiga apertou-lhes as coxas e brincou:

- Ô bichona...

E ainda contou uma rosa a mais no jardim que sua mãe cuidava em casa, que já havia há muito tempo, mas nunca tinha tido tempo de reparar. Até mesmo que a irmã havia cortado o cabelo, apesar dela só ter aparado as pontas. Pode tudo isso parecer uma bobagem fácil de se perceber, mas não para o cara que só se deu conta que haviam mudado todas as estampas das colchas de sua cama depois de um ano. Estava detalhista por demais. E recordava agora deitado na cama, olhando pro teto do quarto, a face doce e meiga de sua princesinha. O rosto liso, o dente branco, a sobrancelha fina, o beijo. Pensou até em grinalda, coisa que jamais havia feito.

Não foi por outra que não seja a sorte que João novamente viu Carina e dessa vez passeando pelas ruas do bairro. Sozinha, ia ao mercado comprar um condicionador para cabelos secos e quebradiços e um pacote de absorvente sem abas, tudo conforme as recomendações da mãe. Ele lhe pegou a mão e a acompanhou nas compras. Fez questão de presentear a prenda com um chocolate. Experimentado pela vida, antevia que aquele presente poderia adocicar o beijo certo que se aproximava. Não somente por educação, mas também com um pouco dela, convidou-a para ir à sua casa, nem que fosse para tomar um copo d’água. E na porta de casa tocou-lhe os lábios com seus lábios, numa ternura tão grande que mais uma rosa no jardim resolveu brotar só pra ver de perto aquela cena. Ele se aproximou das flores e tirou uma vermelha, não essa que acabara de brotar, porém aquela que ele havia notado o surgimento após o primeiro encontro com a donzela. E seguindo o cheiro bom da rosa, Carina entrou na residência que estava inabitada.

E houve beijos mais profundos, alguns menos. E houve emoções no abraço forte. E houve a cumplicidade do sorriso no amor mútuo da pessoa amada. Realmente a idade algumas vezes se torna um fator de diferenciação extrema entre um casal e convenhamos que as formas de amor já conhecidas pelo rapaz que ultrapassa os 20 diferem das conhecidas pelas meninas que ainda não chegaram aos 15. E, por isso, um beijo no seio já vira motivo de reclame da pequena. Ocorreram após mais dois encontros entre os dois, e apesar de Carina conter todos os possíveis avanços de João, isso não impedia que a afetividade entre os dois e o carinho crescesse cada vez mais. E João lhe recitava poemas, lhe fazia honras de princesa, e ela lhe retribuía nas eternas juras de amor eterno.

Apesar de todo carinho, respeito, beijinhos, sentimento, doçura, meiguice, amor e afeto que existia nesse romance, na sexta-feira seguinte, João não vou ao shopping. Muito menos, se pesou. Resolveu sim tomar umas nos bares do bairro, e depois, quando deu a hora, partiu para o Cabaré da Júlia e realizou tudo aquilo que tentou fazer durante a semana sem muito sucesso. Isso porque “apesar da força moral da tradição judaico-cristã e de a Justiça ter procurado purificar o pênis e restringir sua semente à instituição sagrada do matrimônio, ele não é por natureza um órgão monógamo. Desconhece códigos morais, foi projetado pela natureza para o esbanjamento, adora a variedade, e nada, exceto a castração, eliminará seu pendor para a prostituição, a fornicação, o adultério ou a pornografia”.

terça-feira, outubro 16, 2007

Nasci gaúcho

Eu sou gaudério e por isso quando
De manhã cedo, eu parto pra lida
Tomo o mate da minha despedida
Até o ronco do último trago
Pra minha prenda deixo meu afago
E o amor que trago no peito
Posso ser grosso, mas é esse meu jeito
De reviver as coisas do meu pago

Dentro do rancho, pego os pelegos
E já começo a encilhar o pingo
Sinta na cara o vento de domingo
E no frio forte desse minuano
O meu tordilho já sai troteando
Porque le gusta viver na campanha
Como me gusta os tragos de canha
Que sempre tomo com o pai castellano

Nasci gaúcho, fronteiriço e do Rio Grande
Não há quem mande eu campear em outro pago
Porque aqui a tradição é mais antiga
E a cantiga no meu peito ainda trago
Por entre potros e tropéis numa rancheira
Numa chaleira esquentava água de rio
Pegava erva que havia em Livramento
Ainda dentro das campanhas do Brasil
Eu relembrava os tempos de Farroupilha
Pelas coxilhas procurava meu cambicho
E foi assim quando se menos se imagina
Que minha china conheci em um bolicho

Levo bombacha, botas e esporas
Porque assim se vive no galpão
E educar cavalo redomão
É fácil com meus pés roseteados
O pala velho, chapéu tapeado
E o galope ficando ligeiro
Quando acontece do peão campeiro
Chegar no pampa pra cuidar do gado

De longe escuto alguma chamarra
Que na querência era a mais tocada
E dê-lhe boca tocando a boiada
E o “êra boi” já vira um gritedo
O cusco velho não fica com medo
Nem com os gritos desses sapucay
Pois foi às margens do Rio Uruguay
Que educaram forte desde cedo

NumLock e cigarros

Sentia a falta dele, deitada na cama, naquela insônia depois de uma tarde inteira de sono. Os olhos do ursinho que recebera no primeiro mês de namoro ainda brilhavam como se estivesse na loja, e a cada abraço que dava no bicho era como se ainda sentisse o abraço dele. O guarda-roupa estava aberto, de propósito. Mesmo sem conseguir ler devido à distância e à miopia, ela gostava de olhar o formato dos parágrafos e os contornos da caligrafia na carta que estava colada na porta. E era dele, obviamente, aquela missiva, a mais linda que ela já tinha recebido. Tocava no quarto a música que lhe fazia lembrar dele. Quantas vezes ele já tinha dedilhado aquela música, cantando baixinho do ouvido dela. A cada acorde no violão era uma caixa de carinho que se abria. No monitor do computador, tudo escuro e só aquele pontinho verde piscando. O NumLock aceso no teclado e um cigarro aceso no cinzeiro. A cada tragada, era a boca dele que ela pensava trazer na boca. Aquele amor durava horas, acendendo um com as cinzas do outro. E em todas as noites que sentia sua ausência era assim que amenizava a distância.
Fazia dois meses que ele tinha ido e, pelas contas dela, ainda faltavam pelo menos mais dois pra ele voltar. Mas sentia esses meses como se fossem anos, e às vezes chorava calada e sozinha lembrando do sorriso lindo dele. Nem sabia ao certo se ele resistia às seduções das meninas quando estava lá, mas quando estavam juntos, sentia um amor exclusivo e completo. Em algumas aulas, já nem mais se concentrava, calculando o delta t desse carinho nas equações que nem Bháskara ousou desvendar. Apesar de sua mão ainda poder sentir a presença do seio, seu coração já não estava lá. Estava longe, com asas da ilusão e do desejo, querendo de volta os momentos felizes que só ele lhe podia dar.
Num acesso de qualquer coisa repentina, chutou o mouse e viu na tela aquele beijo, agora eterno pelas modernidades fotográficas. Salivando, sentiu na língua como se a saliva não fosse sua, fosse dele. E até o seio estranhou a própria mão, como se também fosse dele. Perdendo-se na imaginação do bem amado, mal viu surgir os primeiros raios da aurora. Caiu em si e sentiu a tristeza de não o sentir mais. Quis chorar com os olhos secos da noite mal dormida, ou melhor, nem dormida. Foi ao banheiro, se olhou, se sentiu feia, e urinou como se quisesse soltar aquelas lágrimas presas, pela vagina.
Foi até a sala, tudo ainda escuro, salvo um raiozinho de sol vindo pela fresta debaixo da porta. Escutou a campainha num toque seco. Teria mandado tudo à merda e dormido se fosse um dia comum. Mas já estava há tanto tempo acordada e com tantos sentimentos dentro de si, que só pensou baixinho que merda e foi ver pelo olho mágico quem se atrevia. O que viu foram rosas. E por trás das rosas aquele que era seu sonho, seu homem, seu tudo. Ficou pensando se o olho era mágico, ou se mágica era a vida com suas idas e vindas. E sem pensar em como estava o cabelo ou na ausência do sutiã, abriu porta desesperada pela saudade e matou-a num beijo longo, com rosas no chão, onde o gosto dos cigarros foi rapidamente transformado na frescura de um halls vermelho. E quando acordou do sonho, estava na cama, sem rosas, sem ele, e lendo em grandes letras laranjas: “seu computador já pode ser desligado em segurança”.