Sentia a falta dele, deitada na cama, naquela insônia depois de uma tarde inteira de sono. Os olhos do ursinho que recebera no primeiro mês de namoro ainda brilhavam como se estivesse na loja, e a cada abraço que dava no bicho era como se ainda sentisse o abraço dele. O guarda-roupa estava aberto, de propósito. Mesmo sem conseguir ler devido à distância e à miopia, ela gostava de olhar o formato dos parágrafos e os contornos da caligrafia na carta que estava colada na porta. E era dele, obviamente, aquela missiva, a mais linda que ela já tinha recebido. Tocava no quarto a música que lhe fazia lembrar dele. Quantas vezes ele já tinha dedilhado aquela música, cantando baixinho do ouvido dela. A cada acorde no violão era uma caixa de carinho que se abria. No monitor do computador, tudo escuro e só aquele pontinho verde piscando. O NumLock aceso no teclado e um cigarro aceso no cinzeiro. A cada tragada, era a boca dele que ela pensava trazer na boca. Aquele amor durava horas, acendendo um com as cinzas do outro. E em todas as noites que sentia sua ausência era assim que amenizava a distância.
Fazia dois meses que ele tinha ido e, pelas contas dela, ainda faltavam pelo menos mais dois pra ele voltar. Mas sentia esses meses como se fossem anos, e às vezes chorava calada e sozinha lembrando do sorriso lindo dele. Nem sabia ao certo se ele resistia às seduções das meninas quando estava lá, mas quando estavam juntos, sentia um amor exclusivo e completo. Em algumas aulas, já nem mais se concentrava, calculando o delta t desse carinho nas equações que nem Bháskara ousou desvendar. Apesar de sua mão ainda poder sentir a presença do seio, seu coração já não estava lá. Estava longe, com asas da ilusão e do desejo, querendo de volta os momentos felizes que só ele lhe podia dar.
Num acesso de qualquer coisa repentina, chutou o mouse e viu na tela aquele beijo, agora eterno pelas modernidades fotográficas. Salivando, sentiu na língua como se a saliva não fosse sua, fosse dele. E até o seio estranhou a própria mão, como se também fosse dele. Perdendo-se na imaginação do bem amado, mal viu surgir os primeiros raios da aurora. Caiu em si e sentiu a tristeza de não o sentir mais. Quis chorar com os olhos secos da noite mal dormida, ou melhor, nem dormida. Foi ao banheiro, se olhou, se sentiu feia, e urinou como se quisesse soltar aquelas lágrimas presas, pela vagina.
Foi até a sala, tudo ainda escuro, salvo um raiozinho de sol vindo pela fresta debaixo da porta. Escutou a campainha num toque seco. Teria mandado tudo à merda e dormido se fosse um dia comum. Mas já estava há tanto tempo acordada e com tantos sentimentos dentro de si, que só pensou baixinho que merda e foi ver pelo olho mágico quem se atrevia. O que viu foram rosas. E por trás das rosas aquele que era seu sonho, seu homem, seu tudo. Ficou pensando se o olho era mágico, ou se mágica era a vida com suas idas e vindas. E sem pensar em como estava o cabelo ou na ausência do sutiã, abriu porta desesperada pela saudade e matou-a num beijo longo, com rosas no chão, onde o gosto dos cigarros foi rapidamente transformado na frescura de um halls vermelho. E quando acordou do sonho, estava na cama, sem rosas, sem ele, e lendo em grandes letras laranjas: “seu computador já pode ser desligado em segurança”.
terça-feira, outubro 16, 2007
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