Foi no ócio de uma tarde de sexta-feira que ele resolveu perambular. Foi aos bares de seu bairro, querendo afogar nos tragos a falta do que fazer. Seus amigos não bebiam, ainda eram muito moleques para se entregarem aos vícios. Nem decerto tomou dois copos, mas tomou, sim, a decisão de dar um passeio por terras já conhecidas. Pegou do carro de sua irmã e partiu. Parou no shopping, era caminho. Pesou-se na farmácia da entrada, pra não perder o hábito. 75 quilos, bom peso. E foi andando no meio de fliperamas e crianças que encontrou um olho verde brilhando. Não jogava, mas conversava com as amiguinhas, todas com a camisa do colégio. No meio delas, a vizinha de João que vendo um leãozinho da Peugeot escorrendo do bolso da calça do rapaz, enxergou ali também a carona para casa. Nem foi proposital a amostra do chaveiro, nem sabia ao certo como aquilo tinha lhe escorrido do bolso. A menina deu um sorriso, foi até ele, deu um abraço. Coisa de vizinhos. Trocaram aquela velha conversa fática de tudo bem, como vai e a família.
- Vem aqui, João, que eu te apresento umas amigas.
Não tinha cunho de relacionamento amoroso as apresentações que seriam feitas. Era extensa a diferença de idades, dificultando sobremaneira a possibilidade de um romance futuro. Mas nem sempre as regras do bom senso são seguidas. E ali, quando João viu Carina, que algumas vibrações do universo modificaram o rumo dos acontecimentos.
Nem foi preciso muita análise, e o moço já identificou o parentesco.
- Ah! Você é a irmã do Cláudio...
E o sorriso foi resposta. Resposta tão sincera que ele se ofereceu de motorista pras duas garotinhas. Sei que deve ser muito difícil acreditar, mas não foi o teto do 206 Moonlight que fez os olhinhos verdes de Carina brilharem mais um vez. Sim, aquele olho perto dos joguinhos já era o dela. Até tinha um charme o carro, mas o jeitinho que as pálpebras de João se fechavam ao sorrir fazia a pequena suspirar. Suspiros muito contidos, diga-se de passagem, contidos pela timidez. Pra não dizer que não falou palavra, ela disse um muito obrigado depois de dar um beijo no rosto. João chegou em casa e começou a reparar em coisas que já jamais tinha notado. Ao contrário das pernas de Manuel Fonseca, uma fina e outra seca, que tinha uma certa Sariema, a donzela era dona de pernas, digamos, de Manuel da Roça, uma cheia e outra grossa. Lembrou da pequena manchinha castanha que havia na íris esquerda de Carina e riu ao lembrar de quando a amiga apertou-lhes as coxas e brincou:
- Ô bichona...
E ainda contou uma rosa a mais no jardim que sua mãe cuidava em casa, que já havia há muito tempo, mas nunca tinha tido tempo de reparar. Até mesmo que a irmã havia cortado o cabelo, apesar dela só ter aparado as pontas. Pode tudo isso parecer uma bobagem fácil de se perceber, mas não para o cara que só se deu conta que haviam mudado todas as estampas das colchas de sua cama depois de um ano. Estava detalhista por demais. E recordava agora deitado na cama, olhando pro teto do quarto, a face doce e meiga de sua princesinha. O rosto liso, o dente branco, a sobrancelha fina, o beijo. Pensou até em grinalda, coisa que jamais havia feito.
Não foi por outra que não seja a sorte que João novamente viu Carina e dessa vez passeando pelas ruas do bairro. Sozinha, ia ao mercado comprar um condicionador para cabelos secos e quebradiços e um pacote de absorvente sem abas, tudo conforme as recomendações da mãe. Ele lhe pegou a mão e a acompanhou nas compras. Fez questão de presentear a prenda com um chocolate. Experimentado pela vida, antevia que aquele presente poderia adocicar o beijo certo que se aproximava. Não somente por educação, mas também com um pouco dela, convidou-a para ir à sua casa, nem que fosse para tomar um copo d’água. E na porta de casa tocou-lhe os lábios com seus lábios, numa ternura tão grande que mais uma rosa no jardim resolveu brotar só pra ver de perto aquela cena. Ele se aproximou das flores e tirou uma vermelha, não essa que acabara de brotar, porém aquela que ele havia notado o surgimento após o primeiro encontro com a donzela. E seguindo o cheiro bom da rosa, Carina entrou na residência que estava inabitada.
E houve beijos mais profundos, alguns menos. E houve emoções no abraço forte. E houve a cumplicidade do sorriso no amor mútuo da pessoa amada. Realmente a idade algumas vezes se torna um fator de diferenciação extrema entre um casal e convenhamos que as formas de amor já conhecidas pelo rapaz que ultrapassa os 20 diferem das conhecidas pelas meninas que ainda não chegaram aos 15. E, por isso, um beijo no seio já vira motivo de reclame da pequena. Ocorreram após mais dois encontros entre os dois, e apesar de Carina conter todos os possíveis avanços de João, isso não impedia que a afetividade entre os dois e o carinho crescesse cada vez mais. E João lhe recitava poemas, lhe fazia honras de princesa, e ela lhe retribuía nas eternas juras de amor eterno.
Apesar de todo carinho, respeito, beijinhos, sentimento, doçura, meiguice, amor e afeto que existia nesse romance, na sexta-feira seguinte, João não vou ao shopping. Muito menos, se pesou. Resolveu sim tomar umas nos bares do bairro, e depois, quando deu a hora, partiu para o Cabaré da Júlia e realizou tudo aquilo que tentou fazer durante a semana sem muito sucesso. Isso porque “apesar da força moral da tradição judaico-cristã e de a Justiça ter procurado purificar o pênis e restringir sua semente à instituição sagrada do matrimônio, ele não é por natureza um órgão monógamo. Desconhece códigos morais, foi projetado pela natureza para o esbanjamento, adora a variedade, e nada, exceto a castração, eliminará seu pendor para a prostituição, a fornicação, o adultério ou a pornografia”.
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